segunda-feira, 20 de julho de 2009

O Desabafo de E

E - Eu sujei meu coração de tristeza. Sem querer eu bombeei dor, melancolia e angustia em cada miligrama que percorreu veia ou artéria do meu corpo. Eu sujei meu coração. Eu já não tinha amigos, apenas estranhos, conhecidos com os quais mantinha um cético contato diário. Eu deixei as flores do meu jardim secarem. Não alimentei mais beija-flores. Deixei de cantar. Escondi-me atrás de um falso sorriso durante anos, enquanto deixava essa sujeira se acumular dentro mim. Essa sujeira em meu coração se acumulou. Sujeira, dor, diagnóstico: linfoma (pausa, retoma rapidamente “ares de professor”) - o sufixo “oma” é derivado da palavra grega que significa “tumor” – eu saía de casa e deixava tudo aberto, janelas, portas, cadeados, eu não ativava o alarme, já não me importava com o que acontecesse. Eu não atendi meus pais quando era meu aniversário, nem liguei em suas bodas de prata. (ao telefone) Alô! Pai, mãe? Eu sujei meu coração com a tristeza do mundo, e meu corpo não conseguiu eliminá-la por si só. Estou no hospital. Drogas, comprimidos e injeções cuidam de me curar. Os médicos renovam minhas esperanças cada vez que os encontro. Eu estou eliminando toda sujeira que acumulei nessa breve vida, e vejo que não foi pouca. Daqui para frente lembrarei das travessuras da infância, das farras da faculdade, fecharei o portão, ativarei o alarme, protegerei as lembranças que valem ser guardadas, não deixarei as flores de meu jardim secarem, darei água com açúcar aos beija-flores, cantarei sempre que quiser e meu sorriso não será mais falso. A técnica de enfermagem entra. Hedwing mede meus sinais, saturação 98, 100, pressão 11/7 e temperatura 36,6º C, sem efeitos colaterais consideráveis, a não ser pela queda de cabelos e barba. Embora meus cabelos cacheados e a lisa barba de que sempre me orgulhei se partam, junto elimino na urina, com o auxílio de um diurético que Hedwing me aplica, toda sujeira acumulada em meu coração. Daqui para frente lembrarei das travessuras da infância, das farras da faculdade, fecharei o portão, ativarei o alarme, protegerei as lembranças que valem ser guardadas não deixarei as flores de meu jardim secarem, darei água com açúcar aos beija-flores, cantarei sempre que quiser e meu sorriso não será mais falso, pois não quero contaminar o mundo com mais tristeza.

Eduardo Walger